Único estudo populacional randomizado existente sobre o parto domiciliar, feito na década de 70, liderado pelo médico e estatístico Lewis Mehl, já indicava que a polêmica sobre o tema poderia ser infundada. Ele comparou 1 mil partos domiciliares com 1 mil partos em hospitais e concluiu que as taxas de mortalidade neonatal e materna eram praticamente as mesmas. Desde o segundo semestre de 2012, quando o tema ganhou repercussão nacional, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj) vem trabalhando para atribuir ao parto domiciliar o caráter de retrocesso. A top model Gisele Bündchen, na época, postou em seu blog uma declaração contra a ação judicial do Cremerj de proibir médicos de acompanharem tais procedimentos realizados em casa. Gisele, um dos símbolos da beleza contemporânea, teve seus dois filhos em casa, mas o post sobre o assuto foi retirado do ar na sua página.
Atualmente o Brasil é país que mais realiza cesáreas em todo o mundo. Em 1991, o professor titular de Obstetrícia e o professor assistente do Departamento de Tocoginecologia, ambos da Universidade Estadual de Campinas, Aníbal Faúndes e José Guilherme Cecatti, já discutiam o tema e concluíram que os motivos do grande número de cesáreas nos anos 90 iam muito além da real preocupação com a saúde da gestante e do bebê. Faúndes e Cecatti explicaram em estudo (leia na íntegra aqui) que o número de cesáreas realizadas eram menores entre pobres, possuidores dos índices mais altos de patologias obstétricas e onde o procedimento seria mais indicado. O cenário não mudou muito e a pesquisa ainda é perfeitamente aplicável aos dias de hoje.
Recentemente a Organização Mundial da Saúde verificou que, no Brasil, o número de cesáreas em hospitais particulares é muito acima do recomendado. Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar do Ministério da Saúde (ANS), no ano de 2004, as cesarianas representaram 79,7% dos partos atendidos no setor de saúde suplementar (privado), enquanto no Sistema Único de Saúde (SUS) essa proporção foi de 27,5%.
Os pesquisadores afirmam no estudo que a preferência dos médicos pela cesariana poderia estar ligada à conveniência de uma intervenção programada, que não toma mais que uma hora de seu tempo, ao contrário do parto vaginal que pode ocorrer a qualquer hora. Faúndes e Cecatti parecem falar para o século 21. Eles ressaltaram que deveria ser claro para a sociedade que uma cesárea não significa ausência de dor e que o parto vaginal pode ocorrer com pouca ou nenhuma dor. Outra mensagem importante para os médicos é que o prazer sexual independe do tipo de parto. Estigmas que ainda permanecem no imaginário feminino nos dias de hoje.
Os pesquisadores afirmaram em 91 que o cuidado pré-natal não prepara a mulher grávida psicologicamente para o parto, estimula o medo e que a cesárea virou moda no Brasil. Para mudar essa moda e passar para a valorização do parto natural, segundo os médicos, precisaria da ajuda de especialistas em comunicação, o que certamente não foi feito. O que aconteceu foi uma enorme repressão ao médico obstetra e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Jorge Francisco Kuhn, quando declarou recentemente no “Fantástico” ser a favor do parto domiciliar e natural. O Cremerj entrou ainda com pedido de punição a Kuhn no conselho de São Paulo.
Os dados da pesquisa são referentes aos partos naturais, não necessariamente em casa. Porém a cultura da cesárea interfere diretamente nos partos domiciliares que são sempre naturais. Se um parto natural já é considerado mais complicado que uma cesárea, imagina então esse procedimento realizado em casa e por parteiras? Criou-se então o monstro.
Mas parece que nem todos pensam assim. O Conselho Regional de Enfermagem do Rio (Coren) conseguiu suspender judicialmente as resoluções 265 e 266 do Cremerj, que proíbem a participação de médicos em partos domiciliares e restringem a presença de pessoas que não sejam profissionais de saúde nos partos em maternidades e hospitais, ou seja, as parteiras ou doulas.
“Os obstetras mais conhecidos e de maior prestígio são, também, os que têm a clientela mais numerosa e mais rica. Consequentemente, a sua prática exige a aceitação da cesárea eletiva com data marcada, a fim de poder atender à demanda. Esses obstetras são ainda os oradores em congressos e cursos e escrevem em publicações médicas e leigas. Por esses papéis sociais que assumem, têm de acreditar que o que fazem é o correto, e estão sinceramente convencidos disso. O processo de mudança dessa convicção não será fácil”, concluem Faúndes e Cecatti.
Será que paramos no tempo?